segunda-feira, 27 de agosto de 2007

O estágio

Hoje estou começando minha terceira semana no estágio, então já dá pra contar alguma coisa sobre o que eu tenho feito aqui.

Estou trabalhando na Aarhus Komune (municipalidade de Aarhus), no departamento Natur og Miljø (natureza e meio ambiente). Vou comentar mais detalhadamente sobre isso depois, mas seria o órgão de administracao pública reponsável pelos assuntos de meio ambiente, numa esfera regional aqui da Dinamarca.

No primeiro dia, 13/08, a Juliana estava aqui e me acompanhou. Fui muito bem recebido pelo engenheiro Ole e pelo chefe geólogo Morgens. Fizemos uma breve reunião. Me explicaram onde exatamente eu estou inserido dentro do servico público dinamarquês, que seria a Natur og Miljø, e como funciona o “departamento”. Em outra ocaisão vou postar sobre isso também. É bem diferente do Brasil, e consideravelmente interessante. Perguntaram também sobre meus interesses e minhas habilidades. Ambos muito atenciosos, anotavam tudo que eu falava. Apesar do Morgens ser o chefe, era mais o Ole que ia ter que se ver comigo, então era ele quem tomava as decisões ali. O cara deu uma rodeada e me informou de uma maneira bem elegante que apesar de eu ser esperado, não tinham preparado nada para mim, e agora, que tinham me conhecido e anotado as minhas expectativas, iam arrumar algo. Me mandaram passar o resto do dia com a namorada e a terça-feira também, e que eu voltasse na quarta às 9h para começar de verdade. E ainda me disse “and Thales, don´t be so sharp, it´s around 9h” (não me aparece aqui nove em ponto que ce vai sobrar). Foi nessa que vi tudo., huauahuah.

Quarta as nove, eu lá na porta, nem Morgens, nem Ole. Eis que vem uma boa alma que eu tinha conhecido no primeiro dia e me pergunta se eu quero café. Nem estou acostumado, mas resolvo aceitar e o cara me traz uma caneca com 350ml de café. Sem acúcar. Hhuahua, mifus. Bom, foi o tempo do Ole chegar e já me jogar na mão do técnico, que é o Lars. “Voce vai acompanhar o Lars hoje”. Realmente, foi bem legal, saímos pra verificar algumas reclamações que um fazendeiro fez, a respeito do acúmulo de areia na propriedade dele, resultante da época de cheia. Aproveitou e verificou a qualidade da água do riozinho (num chega a 2m3 por segundo e é um dos maiores que eles tem). Aqui a verificação é in situ e só na base do bioindicador. Ele levantava as pedras e procurava no solo uns invertebrados e falava pra mim “esse aqui é bom, esse é ruim” e etc. e no final ele concluiu que a água estava muito boa. Eu perguntei se eles não faziam análises químicas e ele disse que quase nunca. Imagina se eu não gostei disso. Bom, chegando de volta a Komune, tacaram uns livros em Inglês na minha mão, sobre restauração de rios e wetlands, e me mandaram estudar o site da Aarhus Komune, pra saber mais o que eles faziam.

No dia seguinte, saímos de novo e fomos verificar uma outra reclamação de outro camarada, que falou que a casa dele tava encharcando, por causa do nível do lençol, que andava subindo. Também visitamos algumas “fauna bypass”, que são as escadas de peixes, para que eles possam possam subir o rio na piracema nórdica. Apesar de funcionar muito bem, segundo eles, pelo que eu vi e lembro do Professor Renato Feio falando, essa técnica nunca vai dar certo no Brasil. Aqui eles só tem dois peixes, Salmão e Seatrout, e mesmo assim penaram anos pra aprender como se faz. Para a nossa situação, o processo é muito mais delicado. E o legal é que o Lars falou que viu uma escada dessas na Noruega completamente errada: "eles são bem amadores". Huhauha, escutei e fiquei quieto, fazer o quê?

Na sexta-feira, saí com a Suzanne e com a Marianne. Não descobri a formação destas senhoras, mas trabalham com planejamento urbano. Descobri que para a nossa Komune apesar de ele ter sido bem feito, já foi desrespeitado. Verificamos uma área onde deveria haver casas e árvores, porém só havia casas e casas. Depois fomos checar as complicações de um requerimento para se construir um prédio com 5 andares numa area em que o máximo permitido é 3, outra visita foi a outros dois terrenos onde um pessoal gostaria de plantar árvores. Em outra oportunidade explico como funciona a burocracia aqui, porque elas (representando a Komune) não podem tomar a decisão. Mas no relatório, elas iriam emitir parecer favorável a construção do prédio e desfavorável a plantação de árvores. Isso porque o que teria o maior peso na decisão era a paisagem. O visú. E no caso dos prédios, a localidade não tinha paisagem nenhuma a ser olhada, já na área das árvores, seria prejudicada a vista. Pelo menos para mim, é uma nova maneira de se olhar a problemática ambiental, porém menos importante que outras. Mas conforme a Suzane, que morou doze anos em Moçambique e arranha um português, tentou se explicar, "quando se tem um país tão pequeno como a Dinamarca, não se mede esforços para preservar qualquer sensação de bem-estar que a natureza possa provocar". O que ficou comprovado pra mim quando me mostraram o tal do correguinho que falei. Só que pior, numa área onde ele tinha menos água que da outra vez. Mas agora ele tava todo embonecadinho com pedras e flores ao redor. A Mariane falou "é lindo". A Suzane logo percebeu que eu queria rir, pelo fato de eu morar no Brasil, e ela até me deu razão.

E acabou-se a primeira semana, com nada de trabalho e algumas observações. Na segunda aconteeceu um negócio realmente bizarro. Fui pra campo com Nickols e Loren, engenheiros florestais. Eles iam verificar uma extração de água. O pessoal queria a licença permanente para tirar a água. É função da Komune verificar a papelada. Em suma, era nada mais que uma área cultivada com um bombeamento de água subterrânea. Tava o engenheiro consultor da propriedade, o engenheiro responsável pelo bombeamento e nós três. Como a discussão era em dinamarquês, eu fiquei por ali, tirando fotos e observando, quando começa a chover. O cara tava com uma van, então ele levantou a porta de trás e foram os quatro pra debaixo dela, eu calmamente tirei meu guarda-chuva e fiquei por ali. Hhahahaha, o estagiário brasileiro era o único preparado. A chuva tava bem forte e todo mundo se molhando bem mais que eu. Eis que eu sinto um choque no corpo todo, sai uns raios da minha mão e a gente escuta um "KABRUUUM". Na hora eu nem sabia o que tinha acontecido, meu coração começou a bater mais rápido e todo mundo olhando pra mim com terror nos olhos. Eles disseram que um raio caiu em mim e eu fiquei todo envolto em raio amarelo. Todo mundo me pegou e perguntou se eu tava bem, que era para eu estar morto e tal. Mas eu não tava sentindo nada. Acho que foi mais o susto. Tomei um raio na cabeça, meu!!!! Eu sou foda!!!!

Na terça eu fui pra campo com o Sorn e com a Loraine, engenheiros florestais. Foi legal também. O pessoal da Komune certificou umas florestas públicas com selos verdes, o FSC e o PEFC. E tinha um pessoal da iniciativa privada que também queria entrar nessa. Então a Komune organizou esse evento, onde ela entrou com a experiência, consultores especializados com a parte técnica e os interessados com as perguntas. Eu, novamente com as fotos. Ambos os eventos seriam infinitamente mais interessantes para mim se eu entendesse a língua. Mas fazer o que? E nada de raios nesse dia.

No dia seguinte, o Lars me pegou em casa e fomos fazer compras pra mim ás custas da Komune. Ganhei um par de galochas nórdicas, capa-de-chuva e calça-de-chuva nórdicas, uma blusa muito nórdica, meias nórdicas e uma calça normal. Pra me entreter, já que eu não tenho nada pra fazer, eles ficam me dando presentes, heheheh. Safados. Mas é tudo de qualidade muito boa.

Quinta-feira eu fui pescar com o Lars. Fui o único que peguei peixe. Hornskfisk. Tipo um peixe espada. A gente vai comer ele aqui em casa pra ver se é bom e depois eu conto. Mas foi interessante porque eu nunca tinha pescado desse jeito. Você veste tipo um macacão impermeável e vai andando pra dentro da costa, joga a isca, artificial, lá longe, e puxa na sequência. Até pegar. Teve churrasco de salchicha com cerveja quente em churrasqueira descartável. Foi muito legal, de qualquer maneira. Quando que eu ia pensar que eu não ia fazer nada o dia inteiro no serviço e sair mais cedo pra pescar, uhauhuahu.

A sexta passada, 24/08 também foi legal. A cidade de Aarhus tem um dos maiores portos do Mar Nórdico. Parece que o de Rotterdam é o maior. E o pessoal aqui fez esse plano para incorporar o porto à urbanização e a cidade, já que eles vão também aumentar a capacidade do porto e o negócio vai ficar monstro. Então o pessoal da Natur og Miljo participou desse evento com palestras, visitas, coffebreaks, apresentações em datashow e jantares de confraternização para apresentar o projeto pra gente. Vai ficar louca essa cidade depois de implantado. Pena que vai demorar uns 17 anos. Foi muito legal e mais uma vez eu peguei só as rebarbas, por causa da língua. Poderia estar aproveitando um bilhão de vezes mais. Mas fazer o que? Bom, o jantar, mó chique, cheio de nove-horas, entrada, prato principal, sobremesa, vinho tinto e branco, discurso, brinde dinamarquês, que consiste em gritar "RRÁ RRÁ RRÁ", acabou que esticamos a noite nuns outros bares e eu voltei pra casa a pé: 100 minutos, andando sozinho na noite Aarhuense. Mifu. Pelo menos não gastei um centavo. Todo mundo gostava de pagar as coisas pra mim, principalmente o Lars e o Nikols, já citados anteriormente. Gente boa o pessoal.

Bom isso foi o que eu fiz de prático até agora. Mas tem a outra parte. A parte social. Todo mundo aqui, sei lá porque, me trata muito bem. Fiquei até impressionado. Eles também se tratam muito bem, lógico, e não teria porque ser o diferente. Mas acho que realmente superou as expectativas. Todo mundo faz questão de falar que se eu quiser aparecer na sala, ela está sempre de portas abertas e etc. Me dão dicas. Respondem minhas perguntas, me ensinam. E nunca de cara feia. Mas acima de tudo (agora é que são elas) perguntam tudo. Quem eu sou e como eu fui parar ali. O que eu faço no Brasil. O que eu quero fazer no Brasil depois que me formar. O que faz um engenheiro ambiental no Brasil. Que tipo de matéria eu estudei. Se o Brasil tem legislações ambientais, como elas funcionam e porque elas não funcionam, o que se faz a respeito, como é feita a fiscalização das "rainforests" (pra eles, é tudo reainforests), como funciona o sistema político no Brasil, se o Brasil gosta do Hugo Chávez, se eu votei no Lula, o PIB, a taxa de crescimento da população. De que país meus ascendentes vieram, se no Brasil existe segregação social de alguma maneira e etc. E todo mundo que vem falar comigo me pergunta essas coisas. Em suma, na grande maioria não são perguntas que um estudante de engennharia ambiental foi preparado pra responder. Mas claro, são perguntas que qualquer cidadão brasileiro DEVERIA estar preparado pra responder. Eu bem que me esforço para responder da melhor maneira possível, mesmo sem nunca ter saído desse mundinho de estudante. Não quero deixar a impressão de que somos macacos (já que, penso eu, é assim que eles nos vêem), porque realmente não somos. A diferença é que nossos problemas são mais complexos. E é isso que eu tento colocar. Apesar de já ter escutado duas vezes a contra-argumentação "mas é fácil, dá pra fazer".

Finalizando, do ponto de vista técnico, dez. Experiência de vida, cem. É isso aí. Logo posto sobre o sistema ambiental deles aqui, e sobre a burocracia também.

O próximo post vai ser sobre os finais-de-semanas que passei aqui pelo interior da Dinamarca, com ruas cheias de baladas de graça, na companhia de russos e britânicos, mares que se encontram, festas medievais, e Lituanos que acharam que cachaça é água. Bejo pra todo mundo.


Aqui é a fazenda onde eles estavam discutindo em dinamarques quando cai esse raio na minha cabeca. NAsci de novo, cara. E eu lhes asseguro que tinha vááááárias árvores atrás de mim e bem perto. Eu nao pedi pra cair raio em mim, viu?!
Pessoal discutindo em dinamarques sobre os selos verdes. Esse é o jeep da Komune. Mas eu fui numa vanzinha fuleira.
De novo.
Horsens Fjord (Fiorde). Aonde a gente pescou. É só vestir a roupa e entrar 50 metros pra dentro do mar. Daí joga e recolhe até aparecer um Fisk (peixe).



Jakob, Lars (o que trabalha comigo), Lars, Thales. Todo mundo aqui se chama ou Lars, ou Ole, ou Jakob. Já conheci uns tres de cada um, e olha que conheco pouca gente.
Churrasquinho de salchicha na beira do Fiorde. Cerveja pelando, e eles acham bom. A churrasqueira é legal, voce taca fogo, e umas pedras descartaveis ficam em brasa. Só é necessário cuidar do papel alumínio que envolve as pedras. Essas pode-se jogar fora.



Pessoal na palestra do Ole. Todo mundo é da Natur og Miljø. Estamos no porto de Aarhus, que vai bombar daqui uns tempo.


Essa a sala do Lars. E também a minha. Eu fico naquela mesa com esse computa ae. O computa em primeiro plano dele. Salona grande, boa, arejada, iluminada. Vejam o relógio, 15:30. A graaaaaaande maioria já foi embora. Povo folgado esse. (Chegaram nao antes das 8:30).

Esse é o prédio da Aarhus Komune.




E esse é o prédio da Natur og Miljø. Era para estar cehio de carros, mas tirei a foto exatamente naquela hora, 15:30, e a maioria já tinha vazado.



Esse é o Brasao da Komune.

4 comentários:

Anônimo disse...

Ahahahahaha....quer dizer então que vc tá tendo uma típica vida de funcionário público é???hehehehe...o vida boa...
Ae e esse negócio de tomar raio na cabeça ai....deu algum poder?heheheh

Anônimo disse...

hahahahaha... esse lars e o oleg são gente boa hein... e tem q falar pra mariane vir conhecer a cachoeira do rio são francisco, no mínimo, pra ela se naturalizar, depois agente manda ela pra são tomé das letras, pra ela se arranjar com algum cogumelo lá, hahaha....

Agora se ta cagado mesmo hein, tomando drinks free, comendo salsicha na beira do lago, e tomando raio na cuca... hehehe... tirando a sacanagem, se vc não ficar careca depois dessa não fica mais.

Vê se aprende o dinamarques aí, depois desse monte de palestra não tem como não terinar o orvido...

Abração

Anônimo disse...

Thales, você está vivendo uma experiência que com certeza vai ser de grande valor para seu futuro profissional, de vida, de sentimentos, de amizades, este é um "pacote" para todo o sempre.
Mas filho, cuidado quando vai ao campo e está chovendo! Use sempre alguma coisa de borracha.
Depois nós falamos.
Um beijo te amo.

Anônimo disse...

Olá Thales, estou vendo que está tendo muito trabalho por aí.. hehehe.. ta parecendo onde estou.. meu primeiro dia aqui cheguei às 12h e sobrei, só fui entrar às 12:40h isso porque também lá pelas 17:20h já estão indo embora.. e apesar de estar no Brasil, parece que eu vim de outro mundo também, ficam perguntando de tudo e o básico: o que é que eu vim fazer aqui?.. de resto é praia e água de côco..
Tem um pessoal que pesca entrando no mar, mas não é com esse macacão que parece com calça de pular brejo.. hehe..
Vejo que está curtindo e que a experiência de vida está sendo ótima, isso deve ser o "RRÁ RRÁ RRÁ" da vida..
um grande abraço..